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Other Side of the World..

Other Side of the World..

... II

por Cátia Bernardo, em 31.07.07

As paredes são húmidas e não há chão, caminhamos sobre a nossa vontade eterna. Não me vejo, só oiço a minha respiração, mas não sei se é minha ou se está mais alguém comigo. Sim, alguém me persegue porque já não tenho coração, já não respiro. Sussurram-me ao ouvido, é o vento que me acompanha, não fala mas eu oiço o que ele diz, não tem corpo mas eu sinto-o. Aqui não se dorme, nem se come, aqui não se vive. Tenho medo, caminho sobre o nada porque não tenho vontades, agarro-me às paredes mas elas engolem-me. Oiço gritos e risos, e depois oiço mais gritos. Gritos que arrepiam, gritos que cortam.

Sinto a paranóia a querer envolver-me, mas não deixo, luto para pensar nas coisas boas que me faziam sorrir, mas de repente não sei o significado dessa palavra. O que é sorrir? O que é? Pergunto em voz alta e faz-se silêncio, o vento pára de me perseguir, os gritos param de me atormentar. E então lembro-me, lembro-me do que é sorrir, do que é saltar, do que é sonhar. Mas só me consigo lembrar, lembranças que morrem no meu colo, que se despedaçam e caem mortas no chão que não existe.

Vejo uma porta, o que será, para onde dará? Tento alcançá-la mas entro em pânico, e então, sem que eu peça, ela abre-se. Vejo a minha sombra, ela chama-me para ver. Entro numa floresta a preto e branco porque aqui não há cores, e assisto a tudo aquilo que eu sonhei, estou dentro da minha mente na parte dos sonhos, no meu inconsciente. Toda a minha vida idealizada passa diante dos meus olhos, lembra-me aquilo que eu queria ser e que nunca consigo, aquilo que toco mas que não consigo agarrar. Sinto uma mão a afagar-me o ombro, olho e não vejo ninguém. Talvez seja o vento, penso, talvez seja ele. Ele que me embala a cada noite, que suspira ao meu ouvido até eu adormecer, que acaricia o meu rosto quando fecho os olhos.

Sinto medo porque não sei onde estou, não sei com quem estou, nem sei o que sou. Sinto-me perdida porque não sei para onde vou, não sei para onde fui, não sei onde me encontro e não sei onde me perco. Tropeço nos meus pensamentos obscuros, caio na realidade dura e adormeço. Para nunca mais acordar.

 

Estou a sonhar, e de repente já sei o que é sorrir. Não me acordem amanhã, não me acordem.

...

por Cátia Bernardo, em 29.07.07

As sombras sufocam-me, como se me sugassem o pouco ar que consigo respirar. Aproximo-me e vejo o abismo, a invocar-me, a puxar-me, tal como eu me lembrava que iria ser, tal como sonhara, tal como previra. As vozes não se calam, deitam-me abaixo, desesperam-me porque dizem a verdade, porque eu sei que é verdade, mas eu não quero acreditar nelas, quero empurrá-las para bem longe e ouvir o silêncio. Mas o silêncio ensurdece-me, o silêncio virou-se contra mim e já não me acalma, tornou-se meu inimigo. Porquê? A dor voltou a chamar-me de irmã ontem, relembrou que nada vale eu ausentar-me, que ela sempre estará lá para mim, à minha espera, por muito ou pouco tempo que seja. Eu já me tinha esquecido dela, nunca a aceitei como sendo da família, mas é...é...

Falta pouco para eu dar o passo e cair no abismo, esse lugar escuro que não quero ver, que não quero imaginar, que grito para que se vá embora, e ele ri-se porque sabe que eu estou a caminhar para lá. Não quero voltar, não quero ficar aprisionada outra vez, mergulhada num mar de amargura habitado por seres inexistentes, que só eu consigo ver e ouvir e tocar.

O tempo tenta estar do meu lado mas já nem ele consegue, ninguém consegue fazer nada, sou eu contra tudo, sou eu contra todos, sou eu sozinha na solidão, na doce solidão, eterna confidente, eterna amante. Consigo senti-los à minha volta, como se me quisessem empurrar, mas não podem, só eu posso dar o passo, e estou prestes a dá-lo. As mãos tremem, os pés tentam dar a volta, o coração pára de bater, e eu sinto frio, muito frio, sinto o abismo a crescer dentro de mim.  Sinto-me invisível, todos me olham mas ninguém me vê, todos me ouvem mas ninguém me escuta, todos me tocam mas ninguém me sente, todos ajudam mas ninguém faz nada.

A morte já me tinha avisado disto, já me tinha dado a carta e eu não fiz caso, deu-me um prazo e eu ignorei-o, disse que me iam assassinar… e agora sinto o sangue a escorrer. E o tempo continua a empurrar-me, e eu continuo a gritar, e as lágrimas começam a cair. Caem dentro do abismo, elas já lá estão, já sabem como é, já conhecem o seu sabor. Estou morta e prestes a morrer, assombro e sou assombrada.

De que vale lutar? De que vale esforçar? De que vale amar? O meu destino não é esse, é viver nas trevas, tal como sempre foi, sou filha delas, filha da escuridão que sonha com as estrelas. Sou a filha rebelde que não se conforma com o seu fado, com o seu caminho, com as regras que lhe impõem.  

Assim será, irei dar o passo e voltar para casa, essa casa escura e assombrada. Assim será…

 

 

Chegou a hora. Levanto o pé, fecho os olhos, profiro as palavras e deixo-me levar…

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